Escrito por: Cleucy de Paula Silva Araújo Lourenço
1) Amado
pelas trevas.
Parecia
ser tarde da noite, pois pelas janelas entrava uma brisa fria e a escuridão no
quarto era densa apesar das cortinas estarem totalmente abertas. Num canto do
quarto, uma velha criada dormia tão pesadamente que parecia morta.
Ivanovich
tentou mexer-se na cama, mas notou que seu corpo não se movia. Sentia-se como
se cada membro pesasse uma tonelada e definitivamente não poderia se mover.
Fechou os olhos um pouco confuso, tentando lembrar-se de onde estava. Aos
poucos percebeu que era seu próprio quarto. Sentia dores na cabeça. O que
acontecera?
-
Olá, Ivan – uma voz aveludada se fez ouvir nitidamente em sua mente apesar de
não poder visualizar seu interlocutor. – Estava esperando que acordasse.
Ivanovich
tentou mexer-se mais uma vez, era impossível. Desconfortável, suspirou algumas
vezes tentando falar, mas não conseguiu. Apesar da dor e da confusão, varias
perguntas se formavam em seus pensamentos. Onde estava Illyana? Lembrava-se
vagamente da briga com o pai e sabia que a esposa estava machucada, porém, o
que acontecera consigo mesmo? Por que estava naquela cama?
-
Acalme-se, Ivan. Sua esposa está viva! – Novamente a voz de veludo se fazia
ouvir despertando mais o raciocínio do príncipe. – Porém, teu filho jamais verá
a luz do sol.
Ivanovich
arfou um pouco diante da revelação (ou sua respiração estava mesmo falhando
antes disso?). Seu filho havia morrido? E quem era aquela pessoa que lhe falava
com tanta intimidade? Não conseguia ver ninguém de onde estava e tampouco
conseguia reconhecer a voz que lhe falava com uma calma quase prazerosa
enquanto lhe dava aquelas notícias funestas.
-
Sua cabeça foi rachada em duas, Ivan. – a maneira como aquilo soava o fez se
arrepiar em pânico – Logo a vida se esvairá de seu corpo.
Ivanovich
percebeu que a voz vinha de trás de si. Tentou mais uma vez mover a cabeça para
olhar seu arauto de morte, mas falhou novamente. Percebeu o grande espelho que
ficava diante de sua cama, do outro lado do quarto. Poderia usá-lo para espiar
e descobrir de quem se tratava, mas de nada adiantou. Não havia ninguém ali,
apenas a voz masculina aveludada que parecia sentir um certo prazer diante de
sua desgraça.
Ponderou
se não estaria tendo uma alucinação. A parte de que estava ferido lhe parecia
bem real, mas a inexistência de um ser ao seu lado enquanto o ouvia falar
claramente o fez duvidar de sua sanidade. Mas o ser etéreo que parecia ouvir
cada pensamento do príncipe adiantou-se em respondê-lo mais uma vez:
-
Você não está sonhando, nobre príncipe, e tampouco sou fruto de sua imaginação.
Sou um amigo mais antigo do que você pode supor, mas nunca me fiz conhecido a
não ser através de suas tragédias pessoais.
Instantaneamente,
como um pesadelo real, cada uma das tragédias em família foram tomando forma em
sua mente como se encenados em um teatro macabro e realista e, a cada fato
revivido sofrivelmente pelo herdeiro do czar, um único culpado se delineava
como um ser palpável e real, como se a morte fosse criando um corpo diante de
si.
-
Por... quê? – o som disforme que conseguiu balbuciar em nada se parecia com a
sua voz.
- Há
tempos que acompanho a cada passo seu, no intento de testar-te e provar a mim
mesmo que você é o meu escolhido.
Pouco
a pouco a figura de um homem alto e elegante foi se materializando ao seu lado
como se saísse das próprias sombras que se estendiam da janela até o lado da
cama. Seus olhos escuros e profundos o observavam com o fascínio do pai que
mirava seu bebê recém-nascido e ele falava com empolgação quase orgulhosa sobre
sua existência imortal e sua escolha pelo príncipe da Rússia para ser o seu
herdeiro, sua cria.
Um
vampiro. Ivanovich já lera um pouco sobre algumas lendas, mas aquilo era muito
absurdo. Novamente fatos íntimos relatados pelo outro o fizeram crer de que não
se tratava de uma ilusão, era real e estava diante de si.
-
Não há mais um lugar para você entre o mundo dos vivos, Ivan. Mas se tu
quiseres, as sombras serão a tua nova casa e tua existência será tão perene
quanto tu mesmo desejares.
A
respiração de Ivanovich falhou mais uma vez o fazendo perceber que realmente a
vida começava a abandonar seu corpo destruído. Sentiu dentro de si a revolta de
um jovem que teria todo um futuro pela frente, mas que fora destruído pela
obsessão de seu cruel progenitor.
-
Você lutou bravamente por sua vida, Ivan. – o homem se inclinou sobre ele quase
sussurrando – Mas nem ao menos poderá vingar teus sonhos destruídos, caso
queira abrir mão de tua existência.
O
príncipe fechou os olhos novamente sentindo o ar se escassear cada vez mais
fazendo a cabeça latejar. Seu pai, o monarca, sairia impune dos crimes
cometidos. Seu filho assassinado, sua mãe negligenciada e ele próprio, o filho
açoitado até a morte, nunca poderiam descansar em seus túmulos pois não haveria
justiça nem vingança para suas mortes.
-
Porém, caso desejes me seguir, poderá ensinar a Ivan Vassilievich o verdadeiro
significado da palavra poder.
Olhou
mais uma vez para o vampiro o encarando com os olhos injetados de sangue por
causa da hemorragia cerebral. Poder... Sim, Ivanovich fora criado para ser o
homem mais poderoso da Rússia, homem para quem os limites não existiam. Agora
um poder ainda maior lhe era oferecido através de um ser tão inusitado.
-
Por...que... eu...? – vencido pela morte, apenas esperava constatar o que
provavelmente já sabia.
-
Digamos que... – o vampiro se inclinou por cima dele o olhando nos olhos de
maneira lasciva com um sorriso nos lábios – as trevas se enamoraram de ti.
Ivanovich,
então cerrou os olhos em sinal de aceitação e pouco depois seu mundo se desfez
em sombras e sua existência humana desapareceu para sempre da face da terra. A
Rússia havia perdido seu amado príncipe. Mas o mundo das trevas ganhava aquele
que viria a se tornar um de seus mais temidos líderes. Morria Ivan Ivanovich,
mas renascia Alexei Romanov. Um nobre russo, herdeiro do nome e das posses da
amada czarina Anastacia Romanovna. A sombra que perseguiu, enlouqueceu e, por
fim, destruiu Ivan, o terrível...
Fim....
Ou não....
Talvez seja só o começo de uma sombra eterna...
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